A 'pharmacia' de outrora

A 'pharmacia' de outrora

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

III - Os pioneiros...


Esplêndida página da 'Matéria Médica' de DIOSCORIDES




Já frisamos a riqueza da biodiversidade brasileira.

Pero Vaz de Caminha já o dera a compreender quando registrou: Nesta terra se plantando tudo dá.

Seja como for, plantando ou não plantando nossos índios - quando o europeu aqui chegou - tinham vasto conhecimento em termos de matéria médica natural empregando mais de milhar de vegetais tendo em vista debelar as enfermidades porque costumavam ser vitimados.

Todo este imenso repositório de tradições e conhecimentos preciosos é legatário nosso caboclo ou seja, o homem do campo, cuja memória é tão depreciada neste pais.

Os próprios Jesuítas não puderam deixar de admirar a perícia com que os pajés e ancestrais tratavam certas enfermidades e com eles aprenderam a empregar um grande número de folhas e raízes como a quina e a ipeca cujo emprego disseminaram largamente em suas missões.




A um franciscano francês, no entanto - fr André Thevet - é que coube a missão de iniciar o levantamento de nossas plantas de gozo, a mandioca, o tabaco, o abacaxi e o amendoim; dentre outras nas "Singularidades da França Antártica" publicado em 1557.




Gabriel Soares de Sousa em seu 'Tratado descritivo do Brasil' a semelhança de Dioscorides e Plínio dedicou boa parte de sua obra a descrever a flora nativa além de referir aqui e ali a terapeutica empregada pelos indígenas.

O mesmo tanto fizeram os sacerdotes Acosta - em sua 'História moral e natural das indias' - Gomara e Oviedo no que diz respeito a América espanhola.





Ao que parece os Jesuítas instalados na região das Missões elaboraram um grande formulário sobre a matéria médica e os procedimentos adotados pelos povos indígenas. Este material no entanto foi perdido durante o conflito com os portugueses.




A primeira abordagem científica no entanto parece ter sido feita pelos alemães Marcgrave e Piso na afamada "Historia Naturalis brasiliae" editada em Leide pela casa Elsevier no ano de 1648.

Quatro capítulos desta obra são dedicados a botânica, sendo o mais extenso deles dedicado as plantas de gozo ou seja aos vegetais uteis e a matéria médica. Nele os autores discorrem extensamente a respeito da ipeca, da mandioca, da carnaúba, da taioba, do maracujá, da aroeira, do manacá, do ananás, da copaíba, do umbu, do murici, do acajá, do urucu, etc




Passado mais de um século e meio o ofício de catalogar as espécies de nossa flora foi assumido pelo padre Jesuita João Daniel (+ 1776) o qual estando na prisão por ordem do ditador Pombal, compôs de memória o alentado "Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas" em cuja terceira parte damos com um copioso elenco de plantas medicinais empregadas pelos nativos.







Pouco tempo depois foi a vez do naturalista português Alexandre Rodrigues Ferreira (+1815) percorrer - por ordem da rainha Dna Maria I e sob a orientação de Domenico Vandelli - por cerca de dez anos (de 1783 a 1792) as regiões Norte e Centro Oeste do pais. Um dos objetivos desta expedição era coletar o tudo quanto pudesse ser coletado e desenhar tudo quanto não de pudesse coletar.




Nos ficheiros que até hoje se conservam em Coimbra e no Rio de Janeiro, diversas espécies de vegetais são desenhados, classificados e ordenados segundo o sistema de Lineu, havendo frequentes alusões a matéria médica. Essas informações são muito importantes porque referem as tradições ancestrais conservadas pela gente simples daquele tempo.



A esta geração pertence ainda Frei José Mariano da Conceição Veloso autor da "Florae Fluminensis"




 obra de fôlego encomendada pelo vice rei D Luis de Vasconcelos e Sousa. Veloso foi quem organizou o primeiro herbanário deste país no claustro do Convento de S Antonio, no Rio. Tendo passado a Lisboa cerca de 1790 introduziu diversas espécies nativas do Brasil no horto da Ajuda e encetou a classificação de um bom número delas.




No século seguinte foi a vez dos austriacos Spix e Martius e do francês Isidore Geoffroy de Saint Hilaire darem continuidade aos trabalhos de Daniel e Ferreira ampliando o número de espécies catalogados e assinalando aqui e acolá o emprego tradicional das mesmas. Até aqui no entanto experiência alguma fora realizada com o intuito de investigar se de fato tais relatos correspondiam a verdade e porque este ou aquele vegetal possuía determinada capacidade terapeútica.

Foram estes os últimos representantes da tradição copilatória.

Em meados do décimo nono século no entanto. A partir da Revolução científica iniciada por Lavoisier principiaram as coisas a mudar e a ciência a assumir o cárater empírico que ora apresenta.



O palma do pioneirismo neste setor parece caber ao carioca Francisco Freire Alemão (1797 - 1874) que em 1850 fundou a "Sociedade Velosiana de ciências naturais para o estudo da botânica" além de catalogar e desenhar ele mesmo um bom número de espécies até então desconhecidas.




Por muito tempo foi ele o prático de D Pedro II além de seu amigo pessoal.

Durante as duas últimas décadas de sua vida este sábio instalou uma espécie de laboratório - com alambiques, vidros e lentes - no sítio da mendanha, uma herdade rural que lhe fora legada pelos pais, e principiou a encetar as primeiras experiências com matéria médica vegetal realizadas em nosso pais buscando isolar os princípios ativos de diversas espécies. A partir de tais pesquisas foram aviadas as primeiras fórmulas farmaceuticas propriamente científicas ou seja cujos efeitos haviam sido verificados, pois antes tudo estava restrito a tradição legada pelos ancestrais indígenas e transmitidas pelo sertanejo.





Tais experiências foram continuadas e ampliadas até o máximo rigor pelo farmaceutico alemão Theodoro Peckolt autor da "Analise da matéria médica brasileira", da "História das plantas alimentares de de gozo", da "História das Plantas medicinais e uteis do Brasil"




 e descobridor da papaína. Moço ainda fora Peckolt enviado pelo grande Martius com o objetivo de coletar mudas e sementes e envia-las a Alemanha. Tendo em vista a realização deste mister percorreu ele praticamente todas as partes da região sudeste do pais e permanecendo algum tempo estacionado na companhia dos índios Botocudos, cujo conhecimento tradicional assimilou.

Peckolt no entanto esqueceu-se de regressar a terra natal e aqui faleceu com cerca de noventa anos sessenta e cinco anos depois (em 1912). Isto após toda uma vida consagrada a estudos no campo da botânica e a pesquisas na área de matéria medica tradicional, o que resultou em mais de uma centena (120) de livros e publicações a respeito do uso e das propriedades de cerca de seis mil plantas, a maior parte delas testadas em seu laboratório.




De tais testes resultaram cerca de 220 produtos remetidos a exposição universal de Londres em 1862 e uma medalha de ouro. Posteriormente foi o sábio condecorado por D Pedro II com a ordem da rosa.




Ele parece ter substituído Freire Alemão como prático da família imperial e sua Botica era a mais afamada da capital no final do décimo nono século. Já na Botica de Cantagalo (1865) havia instalado ele o primeiro herbanário científico do país.





Pautado na usança tradicional e, quiçá em experiências feitas por si mesmo Pedro Luiz Napoleão Chenoviz 



um franco polonês instalado junto a côrte publicou - entre os anos de 1840 e 1850 - o "Formulário e guia médico" e o "Dicionário de medicina popular" os quais vieram a conhecer uma popularidade estrondosa mesmo entre a gente inculta do sertão e a serem vertidos para o espanhol. O sucesso do Chernoniz foi tamanho que um de seus filhos foi capaz de abrir uma editora... consta que mesmo os caipiras possuiam e soletravam o dito manual qual fosse uma Bíblia ou o folclórico manual dos escoteiros da Disney. Copioso é o número de informações fornecidas por estes dois livros e ao que parece tributárias do saber popular, especialmente das comunidades indígenas.




Outro nome que merece destaque no que tange a Fitoquimica é o de J Monteiro da Silva o qual, cerca de 1890, iniciou suas atividades no Rio de Janeiro dando continuidade as de Peckolt. Tal a origem do laboratório fitoterápico "Flora medicinal" recentemente adquirido pela Natura. Também ali certo número de plantas passou a ser quimicamente analisado em busca daquilo que chamamos princípio ativo, do que resultou toda uma linha de medicamentos sob a forma de extratos e glóbulos ainda em voga.

Para encerrar este capítulo cumpre mencionar os nomes de:




  • F C Hoehne autor das "Plantas e substâncias tóxicas e medicinais" e dos "Vegetais anti helmínticos...."
  • Paul Lecointe autor da "Amazônia Brasileira"cujo terceiro volume diz respeito as árvores e plantas uteis.
  • Huascar Pereira autor do "Dicionário de plantas úteis do estado de S Paulo"

  • Manuel Pio Correia legou a posteridade um "Dicionário de Plantas úteis do Brasil, exóticas e cultivadas" obra de grande mérito financiada pelo Ministério da agricultura.
  • Um certo M Penna publicou um volume intitulado "Notas sobre plantas brasileiras" com algumas informações preciosas.
  • Alfons Balbach deu a lume três densos volumes intitulados "A flora nacional na medicina doméstica" além do compêndio "As plantas curam" de ampla circulação entre as camadas mais humildes da população.





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